Sobre A Genealogia da Moral II
A genealogia da moral x A origem das impressões morais: Nietzsche x Paul Rée (uma introdução)
No que tange uma genealogia da moral, o dr. Paul Rée, conhecido de Nietzsche, também se propôs a publicar estudos referentes a um "amadurecimento" valorativo da sociedade com o passar dos tempos. Enquanto Nietzsche tratava a "moralidade do costume" como uma máscara, uma forma de desencorajamento a certas práticas tidas imorais, isto é, que escapam ao costume e ao dever, o dr. Rée percebe nestes dois elemento o resultado de um darwinismo social, em que os fenômenos sociais e culturais passam por processos de evolução semelhantes aos processos da evolução biológica.
No centro desse movimento "do mais apto", quer dizer, do melhor nos termos da moral, o dr. Rée avalia a presença do "não egoísmo" a partir de interpretações da ética de Schopenhauer - ética, aqui, entendida em seu sentido lato -, como traço marcante para o vislumbre de uma evolução no campo da moral, onde a compaixão e o altruísmo (na perspectiva da filosofia inglesa do século XIX, condenada por Nietzsche) são naturalizados: eis o ponto de choque com o filósofo de Sils Maria.
Ao passo que Rée busca introduzir no espírito humano a compaixão e o altruísmo como algo normal ou natural (algo que pode ser elevado aos valores morais como um todo), Nietzsche recorta esta mesma compaixão e este mesmo altruísmo como "amolecimento moderno dos sentimentos", em que há uma superestimação de seu valor - o qual não é sequer posto em dúvida, mas aceito quase que prontamente, daí a necessidade de uma crítica. O pensador de Sils Maria diz que, na verdade, o calcanhar de Aquiles do dr. Rée é a falta de uma pesquisa melhor estabelecida naquilo "que, de fato, aconteceu" na História, ao invés de se deixar levar pelo comodismo do modernismo e da filosofia inglesa, que pregam a utopia de um futuro luminoso para a humanidade.
Para aquele que observa a documentação histórica em um projeto que visa traçar uma história da moral, o que aconteceu de fato para que a moral se edificasse até o século XIX, tempo do filósofo, começou com acordos (ver justiça em "Humano, demasiado humano" vol. II, §92), equilíbrio e prudência (ver "Aurora" §112) sobre as disposições do espírito, o qual não arquitetou sua sociedade a partir da compaixão ou altruísmo, valores previstos e instalados pelo modernismo, mas a partir de uma aceitação da vida em suas vantagens e desvantagens, sua segurança e perigo, enfim, em seu lado duplo, e um conhecimento quanto a sua própria natureza - daí os acordos, o equilíbrio e a prudência como norteadores da construção de uma sociedade. O que deve ser feito, de acordo com Nietzsche, é superar os valores, ao pô-los em dúvida, que mascararam toda essa construção e atingir um novo patamar de valores que não precise mais de máscaras, patamar este em que os homens possam brincar jovialmente com os costumes e deveres, ao invés de tratá-los com intensa seriedade que deságua nos preconceitos morais.
Com todas esta perspectiva acerca da situação do meio em que está inserido, pode-se entender por que Foucault chama este estudo genealógico como parte de uma "ontologia do presente", já percebido, aliás, em Kant com sua resposta quanto à definição de Aufklärung.
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